NOSSA LINDA CASINHA NA ROÇA

Hoje fiz uma viagem gigantesca que teve inicio no mais recôndito e obscuro caminho da minha mente.
Percorri os caminhos insondáveis da minha alma, prosseguindo pelas grandes rotas do meu espírito. Finalizei meus pensamentos no templo do coração, aonde veio à minha mente escrever sobre lindas aventuras de um passado gostoso e adorável e que só agora posso avaliar o quão grande e admirável era a vida na roça, lá onde estive mergulhado por maravilhosos anos da minha vida.
E, relembrando aquele lugar “onde criança vivi...” lá na “Fazenda Canteiro” distante, aproximadamente, sete quilômetros da cidade que era um doce recanto por Deus iluminado nos tempos da lamparina e do lampião de gás, escrevi estas palavras.
A casa era de “pau a pique”, bem simples e aconchegante, um lugar de paisagem e vida bucólica. Construída em solo sagrado num sitio da hospitaleira Pirangi onde o por do sol era suave e misterioso. Um lugar querido, um lindo sertão!
Na sala uma mesa marrom escura de madeira com quatro cadeiras e alguns banquinhos, uma cristaleira bem trabalhada por um bom marceneiro e toda cheia de copos e jarras de vidro, xícaras e pires antigos que deveriam ser da minha avó ou de algum parente antigo. Muitos bibelôs que poderiam ser vistos através dos vidros, maravilhosamente trabalhados das duas portas do móvel que enfeitava a sala. Tinha, também, uma chapeleira antiga onde meu pai deixava seu chapéu.
Um rádio muito velho, mas que funcionava, ficava sobre o lindo armário envidraçado. Meu pai escutava todos os dias a “Voz do Brasil”, “Repórter Esso” e ouvia um programa caipira chamado “Os Três Batutas do Sertão”, com Torres, Florêncio e Nininho. Ele adorava, pois era tocador de sanfona e só tocava músicas sertanejas.
No quarto dos meus pais um guarda roupa envelhecido pelo tempo, uma cama de casal, duas camas de solteiro e uma penteadeira.
Meu quarto tinha uma cama de solteiro junto à parede. Do outro lado ficavam armazenados vários sacos de milho, arroz e feijão plantados e colhidos pelo meu pai e com minha pequena ajuda. Era para nosso consumo durante o ano. Servia, ainda, de mercadoria de troca por algumas coisas da cidade e que não produzíamos na roça.
Durante a época da colheita do algodão o quarto ficava abalroado com toda a sacaria de mantimentos mais as sacas deste produto. Existia, também, um belo buraco na parede que me deixava assustado quando algum animal se aproximava. Nossos colchões eram feitos com palha seca de milho o que produzia, ao deitarmos, uma barulheira que nos obrigava a não se mexer para poder dormir e os travesseiros eram feitos com algodão ou ou paina, já mais macios.
Lembro-me que gostava de dormir sobre as sacas do algodão por serem suaves e confortáveis.
Ao abrir a porta da sala entrávamos para a cozinha onde o chão era de terra batida. Deparávamos com o fogão de lenha todo vermelho com seus tampões de ferro e sobre ele panelas, bules, chaleiras, suporte para coador de café, moedor de café, canecos e na cabeceira um torrador de café.
Na parte superior do guarda-comida ficavam guardados os pratos de alumínio e de ferro ágata, tigelas, as travessas para saladas e misturas. Nas gavetas as colheres, garfos, facas, concha, escumadeira e outros artefatos. Na parte de baixo outros utensílios de cozinha eram colocados.
Num dos cantos ficava um suporte de madeira sobre o qual, um filtro de barro todo trabalhado para bebermos água fresca, enfeitava o ambiente com seu desenho suave e embelezador.
Uma prateleira com panelas de alumínio, frigideiras e canecas penduradas ficava ao lado do fogão. Nas vigas do teto ficavam amarrados arames lisos com ganchos nas extremidades onde minha mãe pendurava lingüiça e toucinho com coro de porco.
Uma lata de vinte litros, cheia de banha e carne de porco cozida ficava sobre um tronco de madeira, num dos cantos da cozinha para nossas misturas durante o mês.
Não tínhamos geladeira e a única maneira de conservar carne era mantê-la no meio da banha de porco depois de cozida.
Da porta da cozinha tínhamos uma visão maravilhosa, o poço de água potável com seu sarilho, sua corda e o balde para puxarmos água todos os dias para bebermos e também lavar roupas e aguarmos as plantas de um belo jardim que tínhamos em volta da casa. Via-se um forno de barro, onde minha mãe fazia pães durante a semana. Ficava uma delícia.
Um batedor feito de madeira grossa e encaixado num suporte para que minha mãe esfregasse e batesse as roupas. Varais para estender e secar as peças depois de lavadas atravessavam todo o quintal.
Um pequeno cômodo que servia para pendurarmos um chuveiro onde se tomava um delicioso banho gelado e outro que era a chamada “casinha”.
Uma cerca de arame farpado que rodeava toda a casa para evitar a entrada do gado e dos cavalos. Uma paisagem linda da pastagem e um belo riacho de águas cristalinas logo após um mangueirão de porcos.
Na subida da propriedade uma bela plantação de café, que, posteriormente se transformou em mamão. No final do sitio uma estrada por onde circulava a velha jardineira do Lourenço Pitelli todos os dias, um ou outro “pé de bode”, alguns tratores e uma vez por mês o furgão da “Confiança” lotado de doces e que ali parava para fazer barganhas de mercadorias.
O motorista nos dava doces de todos os tipos e que só tinha na cidade e em troca oferecíamos ovos, galinhas, mamão e outras frutas da época.
Na frente da casa tínhamos eucaliptos plantados e algumas árvores para fazer sombras. Dois bancos de madeira, um a esquerda e outro a direita da porta onde proseávamos logos após o jantar. Dormíamos cedo, nove horas estávamos todos na cama. Levantávamos às cinco da manhã para a labuta na roça.
Logo após a cerca, tínhamos uma plantação de mamona outra de feijão, arroz, milho e na sequência era só café até a divisa com meu avô Alberto Bianchi.
Os outros vizinhos mais próximos eram o tio Benjamim Castro que era o dono do sitio, Sr. Antonio Castro, Sr. Domingos Pestilho, Sardinha, Sr. Sebastião Garcia, Sr. Américo Santamaría, Sr. Brunhari.
Quanta saudade aquele recanto, aquela casinha de barro me trás. Tínhamos paz, fartura e muita saúde. Quanta alegria, lembrar do meu pai tocar no quintal de terra, sentado numa cadeira, sua Stradella de 120 baixos. Tocava Saudade de Matão, Beijinho Doce e Chalana que minha mãe adorava cantar e outras canções.
Stradella - 120 baixos
O nariz da minha mãe, meu e de minhas irmãs durante a noite ficavam pretos, antes de serem apagadas as lamparinas e provocavam risos no rosto do meu pai que, também, ficava com a cara e nariz pretos, pela fumaça escura.
Lembro-me com muita emoção daqueles tempos de muita simplicidade, tanto das pessoas como dos bens materiais e o mais importante é que éramos felizes, solidários e tínhamos compaixão acreditando nas coisas divinas.
Alberto Gabriel Bianchi – outono de 2013.
Membro da Academia Rio-Pretense Maçônica de Letras, Academia Maçônica Internacional de Letras de Lisboa e Academia Rio-pretense de Letras e Cultura.
Um comentário:
Nossa Tio, é possível entrar em sua história através dessas palavras!!! É uma nostalgia gostosa, que nos faz reviver bons tempos.. tempos de saudades!!! Hoje mesmo, aqui em casa, tivemos um momento de recordações... éh tão bom lembrar, muitas vezes conseguimos até reviver as emoções dos velhos momentos através de nossos pensamentos e lembranças!!!
Ainda que pobre, lembranças repletas de amor, que acredito que seja o que temos de mais valioso!!! Fiquei muito feliz em ler!!! =) Obrigada por compartilhar!
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